sábado, 22 de junho de 2013

De quantas coisas não preciso para ser feliz

Frei Betto – De quantas coisas não preciso para ser feliz

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DE QUANTAS COISAS NÃO PRECISO PARA SER FELIZ

Frei Betto*

“Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo.”
Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: ‘Qual dos dois modelos produz felicidade?’

Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: ‘Não foi à aula?’ Ela respondeu: ‘Não, tenho aula à tarde’. Comemorei: ‘Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde’. ‘Não’, retrucou ela, ‘tenho tanta coisa de manhã… ‘ ‘Que tanta coisa?’, perguntei. ‘Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina’, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: ‘Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!
Estamos construindo super homens e super mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.

Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: ‘Como estava o defunto?’. ‘Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!’ Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais…

A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: ‘Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!’ O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse.

Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shoppings centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas…

Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno… Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald…

Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: ‘Estou apenas fazendo um passeio socrático. ‘ Diante de seus olhares espantados, explico: ‘Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:
“Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”
* Carlos Alberto Libânio Christo nasceu no ano de 1944, em Belo Horizonte, MG. Filho de um cronista do jornal Estado de Minas e de uma autora de livros sobre culinária manifestou desde cedo a vocação para a escrita. Em 1965, entrou para o convento dos dominicanos, onde se tornou frade. Estudou jornalismo, antropologia, filosofia e teologia.
Como jornalista, atuou na Revista Realidade e no jornal Folha da Tarde desafiando a censura do regime militar. Foi preso político de 1969 até 1973.
Foi a partir de um livro publicado nesse período que ganhou renome nacional e internacional. Com o livro Batismo de sangue, de 1983, ganhou o Jabuti, principal prêmio literário do Brasil.
Assessor da Pastoral Operária e de movimentos populares, colabora com vários jornais e revistas.
Algumas obras já publicadas: Castas da prisão, 1974; O fermento na massa, 1981; O dia de Ângelo, 1987; Essa escola chamada vida, 1988 (em parceria com Paulo Freire e Ricardo Kotscho); A menina e o Alfabetto, autobiografia escolar, 2002”. 
[blogmede]
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segunda-feira, 3 de junho de 2013

Vasos acesos de manjericos

Vasos acesos de manjericos             

Lá pr’as bandas da alameda
tilinta o toque altivo
dos sonoros sininhos
da linda capelinha
a afinarem o tom de compasso
da folia dos enamorados
a saltar à fogueira
dos desejos ardentes

No raiar do Sol
desperta
o pomposo fontanário
engalanado
de festões coloridos
nos pavios empinados
dos balões de papel
quadras populares
acesas
em vasos de manjericos

A rapaziada aperaltada e pegadinha
apinhada de bandeiras e balões
brilha no requintado terreiro das arruadas
ao som das rapsódias da banda filarmónica
bailando repenicadas danças joaninas
expressão corporal de passos a suar em bica

Com alegria contagiante
desfilam com arquinhos e balões
figurantes rapioqueiros
cenários vivos do povo engenhoso
das marchas populares de S.João
vestidas com trajes coloridos de ternuras
em vasos acesos de manjericos

Rua de Souto, ano de 2013

Tarquínio Vieira